Muitos desejos
sexuais não convencionais são normais
O que as pessoas fazem na cama é objeto de muita curiosidade, excitação e culpa. Muitas pessoas têm desejos que mantêm ocultos e não realizados porque temem que eles sejam anormais (“parafílicos”), porque sentirão vergonha e culpa caso os coloquem em prática e porque calculam que serão rejeitadas e condenadas por outras pessoas que fiquem sabendo dessas suas predileções. A boa notícia para essas pessoas é que muitas das parafilias agora são consideradas normais.
Neste artigo vamos examinar um
pouco da lógica daqueles que tentam classificar como anormais ou anormais as
práticas sexuais convencionais e não convencionais.
O desejo por práticas sexuais procriativas
As práticas sexuais mais
excitantes para homens e mulheres são aquelas que podem levar à procriação.
Vejamos algumas evidências que confirmam essa afirmação.
Práticas sexuais
mais excitantes para homens e mulheres americanos
O livro “Sex in America” (ver
a nota 1, no final do artigo) apresenta os resultados e de um estudo realizado
com uma amostra representativa da população americana. Esse estudo apontou as
seguintes práticas sexuais como as mais excitantes, tanto para homens como para
mulheres (havia algumas diferenças nas percentagens entre os sexos):
- Intercurso vaginal
- Ver o parceiro tirar a roupa
- Receber sexo oral
- Prover sexo oral
Fantasias sexuais
de pós-graduandos brasileiros
Realizamos um estudo sobre as
percentagens de incidência de 57 práticas sexuais nas fantasias de 50
pós-graduandos (25 homens e 25 mulheres) de uma universidade da cidade de São
Paulo (ver a nota 2 no final deste artigo). Essa pesquisa identificou as
seguintes práticas sexuais como as mais presentes nas fantasias tanto dos
estudantes homens como das mulheres:
- Tocar/beijar sensualmente
- Ser sensualmente
tocado/beijado
- Beijar/acariciar o peito nu
do parceiro
- Abraçar e acariciar o
pescoço
- Seduzir o parceiro
- Ser seduzido pelo parceiro
- Ver o parceiro
despir-se/despir-se diante do parceiro/ despir-se mutuamente
- Masturbar o parceiro
- Ser masturbado pelo parceiro
- Ter os seus genitais
oralmente estimulados pelo parceiro (sexo oral).
Mais do que 90% dos
universitários, homens e mulheres, relataram que tiveram cada uma das práticas
sexuais acima, pelo menos uma vez na vida.
A nossa pesquisa confirmou a
tendência das pessoas fantasiarem coisas que preparam ou são atos sexuais
procriativos. Nesta pesquisa que realizamos, foram incluídas como opções de
respostas várias práticas sexuais que são consideradas como “preliminares” do
sexo propriamente dito. Essas preliminares não foram incluídas na pesquisa
americana. A nossa pesquisa não incluiu o intercurso vaginal como opção de
resposta na lista das possíveis fantasias.
Ambas essas pesquisas, e
tantas outras que cujos resultados vêm sendo publicados, mostram que as
práticas mais excitantes para a grande maiorias das pessoas são aquelas direta
ou indiretamente relacionadas com a procriação.
Outros tipos de prática como,
por exemplo, humilhar o parceiro, sexo com animais e vestir-se com roupas do
sexo oposto raramente foram consideradas excitantes ou objeto de fantasia.
A bagagem genética
favorece o sexo procriativo
A nossa bagagem genética nos
predispõem para práticas sexuais que antecedem, preparam e efetivam o sexo
procriativo. Ou seja, aquilo que é excitante para grande parte das pessoas
geralmente são atos que propiciam o clima adequado para a cópula (beijos,
carinhos, carícias), antecedem a cópula (despir-se para o parceiro, ver o
parceiro despir-se), estimulam as zonas erógenas para aumentar a excitação
(masturbação e sexo oral) e o sexo vaginal.
A simples existência da
humanidade é uma prova que o sexo procriativo foi praticado pelos nossos
ancestrais. O fato da população do mundo ter crescido é uma evidência que
indica que este tipo de prática acontece mais frequentemete do que seria
necessário para a manutenção da população. Vários estudos, como os dois
resumidos acima, apresentam esse tipo evidência que confirma a preferência pelo
sexo procriativo.
Algumas práticas não
procriativas funcionam como prato de entrada para o prato principal.
Provavelmente, elas também são adaptativas porque preparam os envolvidos para a
prática sexual principal, o sexo vaginal.
Diversas funções
não reprodutivas do sexo também são normais: recreação, prazer e vincular
O motivo imediato para
praticar sexo não é a procriação. Esta é apenas a sua consequência mais remota
(causa distal). A causa imediata (“proximal”) mais importante da prática sexual
é o prazer que ele proporciona. Aliás, se o sexo não for prazeroso, os órgãos
sexuais não funcionam direito (lubrificação, dilatação da vagina,
intumescimento, ereção, etc.). Outra consequência mais imediata da prática
sexual é a promoção do vínculo entre aqueles que praticaram o sexo. A prática
sexual ainda possui muitas outras funções como relaxar, melhorar a saúde e
recreacional.
Todos os animais que têm
reprodução sexuada não praticam a fecundação com o obtivo explícito de se
reproduzirem. Aliás, não é possível imaginar que os animais não humanos tenham
consciência da ligação entre sexo e reprodução, queiram gerar filhotes e
pratiquem o sexo com esta finalidade. A única exceção a este respeito é o ser
humano que eventualmente pode ter a reprodução como a sua principal motivação
para iniciar o sexo.
Parece que os animais,
principalmente nós humanos, geralmente transamos por prazer. No entanto, a
possibilidade de prazer está tão vinculada à fecundação que a maioria dos
animais não humanos, ao que tudo indica, só têm desejo e copulam quando estão
em seus períodos férteis.
No caso humano, o sexo também
serve para solidificar e manter o vínculo. A natureza nos preparou para acharmos
o sexo atraente mesmo quando ele não serve para fins procriativos. Por exemplo,
a fêmea humana não apresenta transformações corporais, comportamentais e
odoríficas quando estão no período fértil que podem ser notadas com facilidade.
Elas não apresentam esses sinais no período fértil e somem com eles quando saem
deste período, quando o sexo não serve mais para procriar, tal como ocorre em
outras espécies de animais.
Pelo contrário, os atributos e comportamentos que
atraem sexualmente os parceiros foram perenizados na fêmea humana– elas são
sexualmente atraentes o tempo todo, durante boa parte de suas vidas,
independentemente do fato delas estarem ou não aptas para a fecundação.
A grande maioria das pessoas
não saberia dizer se uma mulher está ou não no seu período fértil. A maioria
das mulheres também não sabe dizer se elas próprias estão no perído fértil.
Para saber isso, geralmente elas têm que calcular quanto tempo já se passou
desde o início da última menstruação.
Esses fatos indicam que a
natureza preparou a nossa espécie para fazer sexo o tempo todo e não só na
época do período fértil. Essa perinização dos atributos atrativos é uma forte
indicação de que também é natural e funcional fazer sexo por outros motivos,
além da procriação.
As parafilias são atrações
sexuais por práticas, objetos e pessoas que, se forem exclusivas, não terão a
função reprodutiva. No entanto, como elas podem ter outras funções que agora
não são mais consideradas anormais, quando acontecem dentro de certos limites.
Vamos examiná-las brevemente, agora.
Parafilias
A parafilia
acontece quando o desejo sexual mudou de endereço.
Recentemente a trilogia
“Cinquenta Tons de Cinza”, de Erika Leonard James, fez o maior sucesso,
vendendo milhões de cópias. Essa trilogia apresenta a história de uma estudante
de literatura que vai entrevistar um milionário (Christian Grey – cujo
sobrenome inspirou o nome da trilogia) para o jornal da faculdade e acaba se
tornando sua escrava sexual. Essa trilogia relata as práticas de bondage,
sadismo e masoquismo desenvolvidas entre os personagens. Essas práticas sexuais
são algumas daquelas que são classificadas como “parafilias”. Já foram
classificados mais de 500 tipos de parafilias. Os principais tipos de
parafilia catalogados no DSM-IV são as seguintes: exibicionismo, fetichismo,
flotteurismo, pedofilia, masoquismo, sadismo, fetichismo transvéstico e
voyerismo.
A palavra “parafilia”
significa “amor pelo diferente (em grego, παρά = ao lado e -philia φιλία
= amizade). Essa palavra é usada para descrever a excitação sexual intensa por
objetos, situações ou indivíduos atípicos.
O que é considerado “atípico”
depende da cultura. Por exemplo, na nossa cultura, há algum tempo, a
masturbação era considera uma parafilia.
O DSM (Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders) é uma espécie de catálogo internacional
de transtornos mentais e de critérios para os seus diagnósticos, A última
versão do DSM, a V, considera que as parafilias são práticas sexuais normais.
Apenas quando elas causam sofrimento ou prejuízos para o praticante ou para
terceiros é que elas são classificadas como “disfunções parafílicas” e exigem
intervenções terapêuticas.
As parafilias podem ser
classificadas como opcionais (uma maneira alternativa de obter excitação para o
sexo convencional), preferidas (a pessoa prefere a parafilia ao sexo
convencional) e exclusivas (a pessoa só se engaja na atividade parafílica e não
na convencional). Quase todo mundo pratica algum tipo de parafilia opcional e
isso é perfeitamente saudável.
Os parafílicos são aqueles que
erotizaram objetos, áreas do corpo e atividades que, para a maioria das
pessoas, não são nada eróticos ou até aversivos. Como esses objetos e práticas
se tornaram excitantes para eles? O que é mais surpreendente é que, em certos
casos, essas práticas podem se tornar mais atraentes do que o sexo vaginal e
até excluir completamente este tipo de prática!
Se conhecêssemos melhor os
mecanismos que tornam algo atraente, poderíamos erotizar a vontade muita coisa.
Se conhecêssemos os mecanismos que deserotizam ou que combatem a motivação para
certas coisas, poderíamos atenuar ou eliminar a atração por certas coisas que
nos prejudicam ou prejudicam a terceiros como a pedofilia.
A sua vida sexual está
insatisfatória? Procure a ajuda de um psicólogo.
NOTAS
1- Michael, R. T., Gagnon, J. H., Laumann, E. O, and Kolata,G. (1995).
Sex in America. New York: Warner Books.
2- Chiapetti, N., Silva, A.A., Serbena, C.A. e Hasse, M. (2002). Fantasias sexuais de acadêmicos de pós-graduação.
Psico UTPonlinen. 01 (revista eletrônica de psicologia); www.utp.br/psico.utp.online(acessado em 17/08/2013)
Você tem alguma parafilia e gostaria de ser
entrevistado? Mande uma mensagem para o meu e-mail: ailtonamélio@uol.com.br
Fonte: http://ailtonamelio.blog.uol.com.br/
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