domingo, 7 de abril de 2013

Sexualidade sem Fronteiras



ENTREVISTA

O sexo se tornou uma disputa Em seu mais novo livro, o psiquiatra fala que, hoje, homens e mulheres estão mais preocupados em ter uma ótima performance na cama do que viver uma relação amorosa de qualidade

Por Maria Júlia Lledó 




Elas querem um corpo perfeito. Eles, uma performance digna de astro de filme pornô. Dessa forma, mulheres e homens constroem crenças de que o sexo tem mais a ver com um palco para exibição de "virtudes" que uma expressão espontânea e prazerosa da libido. Nesse cenário contemporâneo, a vivência da sexualidade estaria para lá de acuada. Pelo menos essa é a constatação do pesquisador e psiquiatra Flávio Gikovate. Novamente, o pesquisador se debruça sobre o tema, mais de uma década depois de ter escrito A libertação sexual. No recém-lançado Sexualidade sem fronteiras (MG Editores), toca em temas tabus, provocando mais indagações que conclusões acerca do assunto. Seria perda de tempo para as mulheres tentarem obter um orgasmo vaginal? Estariam as fronteiras entre homossexualidade e heterossexualidade ameaçadas de cair? Polêmico, Gikovate deixa pistas nessa complexa trilha percorrida por homens e mulheres na vivência da sexualidade, desde a infância até a vida adulta.

Na hora h, enquanto os homens se cobram uma ótima performance, as mulheres se cobram por não ter o corpo "perfeito". Como essas cobranças prejudicam o sexo?
Prejudicam muitíssimo e tornam o sexo, que deveria ter um caráter lúdico e de alegre intimidade, em uma disputa, na qual o fundamental é impressionar o parceiro e se mostrar melhor. Isso não foi sempre assim. Até meados do século 20, os homens só se sentiam incomodados quando ficavam com dificuldades em manter ereção suficiente para o contato sexual, e as mulheres se preocupavam muito menos com a aparência física, ao menos no contexto do casamento. Os matrimônios eram para toda a vida. Os homens não tinham qualquer interesse em dar prazer a suas parceiras nem essas viam no sexo algo a mais do que o cumprimento do "dever conjugal".

Por que a aparência física é tão relevante no sexo?
A aparência física feminina sempre foi relevante porque os homens sentem forte desejo visual, ou seja, sentem-se particularmente atraídos sexualmente por mulheres que estejam de acordo com seus padrões de beleza: peso, além do modo como se vestem etc. A aparência física masculina passou a ser tratada como mais relevante de pouco tempo para cá, uma vez que as mulheres passaram a valorizar mais esse aspecto -- não é que sintam desejo visual, valorizam, e isso é diferente. Outros valores continuam a ser, talvez, mais importantes para as mulheres e variam de acordo com seus critérios: condição financeira, nível cultural, virtudes de caráter...

De acordo com o livro, as mulheres são mais livres na vivência da sexualidade. Então, por que muitas estão insatisfeitas com o parceiro?
No livro, registro que as mulheres são mais livres para experimentar a troca de carícias eróticas com outras mulheres sem que, com isso, se sintam estigmatizadas, sem que ponham em dúvida sua feminilidade (como acontece com os homens). A maior queixa das mulheres é relacionada à dificuldade de atingirem orgasmo pela via da penetração vaginal, e isso deriva de um equívoco promovido e estimulado pela cultura -- e também pela psicanálise: o orgasmo natural da mulher é clitoriano, sendo fato que vagina tem inervação insuficiente para provocar esse tipo de descarga. A vagina é um órgão reprodutor e não fonte de prazer erótico -- ao menos do ponto de vista da maioria das mulheres. Foi feita para permitir a passagem de um feto (cerca de 15cm de diâmetro), de modo que se fosse dotada de grande inervação, as dores do parto seriam intoleráveis. Através da estimulação clitoriana feita pelo parceiro, ou através da masturbação, a maioria delas atingem o orgasmo sem problema algum.

Por que estaríamos vivendo um período em que "são muito frágeis as fronteiras entre homossexualidade e heterossexualidade"?
Porque a indústria pornográfica mostra o tempo todo relações entre duas mulheres e um homem, em que elas trocam carícias entre si com naturalidade sem que isso seja tido e tratado como impedimento para as práticas heterossexuais. Os homens entram cada vez mais em sites pornográficos e, ali, encontram filmes que descrevem a intimidade erótica entre dois homens ou um homem e um travesti. Eles se excitam com esse tipo de imagem, o que, por vezes, os deixa em dúvida acerca de sua "heterossexualidade". É sempre bom lembrar que os "clientes" dos travestis são homens heterossexuais! Recebo e-mails de mulheres casadas com mulheres e que, de repente, descobrem que a sua parceira está tendo um caso com um homem. Ou seja, as fronteiras estão se desfazendo. Penso que, no futuro, o que determinará a orientação sexual de uma pessoa será seu envolvimento sentimental: será homo ou hetero de acordo com o parceiro sentimental.
 

Sexualidade sem fronteiras,
da MG Editores, 136 páginas
(R$ 37,40 ou R$ 26,10, o e-book)

Leia a íntegra da entrevista na edição impressa


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