‘A assexualidade sempre
existiu,
mas eles se escondiam’
Entrevista - Elizabete Regina Baptista de Oliveira - Pedagoda
doutoranda da USP autora da tese “MINHA VIDA DE AMEBA: TRAJETÓRIAS ASSEXUAIS NA
SOCIEDADE DO DESEJO SEXUAL COMPULSÓRIO”
Por Raquel Sodré
A diversidade
sexual é um tema muito discutido nas salas de aula. Preocupada em saber como os
assexuais se veem representados na escola, a pesquisadora iniciou seu mais
recente trabalho. Abaixo, ela explica o que é a assexualidade e fala de seu
estudo.
O que é a
assexualidade? É uma sexualidade
cuja principal característica é uma ausência da atração sexual pelo parceiro.
Esse desinteresse pode ser acompanhado pelo desinteresse pelas relações
amorosas ou não. Não quer dizer que a pessoa que é assexual nunca vai querer
namorar. Para eles, sexo e amor são coisas totalmente diferentes.
Sexo e amor são
coisas diferentes até para os sexuais, não? Costumamos dizer que sexo sem amor é possível. Mas
ninguém fala o contrário. Temos uma percepção de que o amor tem que vir sempre
com o sexo. Amor sem sexo não é amizade. Há uma diferença muito clara de quando
eles estão apaixonados da relação que eles levam com os amigos. Por haver esse
pressuposto de que amor sempre vem com sexo, os assexuais têm um problema sério
em se aproximar de alguém romanticamente.
Mas eles são
capazes de fazer sexo? O
comportamento é só um aspecto da sexualidade. Os assexuais podem decidir ser
celibatários, ou fazer sexo. Alguns não gostam, mas fariam. Nós – todo mundo –
fazemos sexo por diversos motivos. Eles podem topar fazer, mas não sentem
vontade. E há falta de atração, mas não necessariamente há falta de prazer. A
pessoa não vai procurar (sexo), mas, se o outro procura, ele poderá fazer e
poderá gostar.
Podemos dizer que
é uma orientação sexual, como a homo ou a heterossexualidade? Digo que é uma sexualidade.
Quando se fala em orientação sexual, estou falando de um direcionamento do
desejo. A assexualidade não direciona o desejo para sexo nenhum. Mas, assim
como as outras, não é uma escolha. Não é que um dia a pessoa acorda e fala “vou
ser assexual” – como também ninguém diz isso com a hétero, homo ou
bissexualidade.
Os assexuais se
masturbam? Sim. A masturbação
é uma resposta corporal a um estímulo, não é direcionada a um outro. E muitos
deles relatam não ter fantasias sexuais. É um ato mecânico que provoca alívio.
Quem não tem
interesse por sexo é assexual? Nem toda falta de interesse por sexo é
assexualidade. Todos os assexuais com quem eu conversei relataram que sempre se
sentiram assim. A falta de interesse por sexo pode ter causas fisiológicas ou
psicológicas. Pode ser referente a traumas, abusos na infância. Se a causa da
falta de interesse por sexo for um distúrbio, isso vai causar sofrimento na
pessoa – não é o caso da assexualidade.
Assexuais sofrem
os mesmos preconceitos que os gays? Não são os mesmos. Para discriminar, é preciso
reconhecer. A assexualidade não é conhecida o suficiente para gerar
preconceitos. A assexualidade nunca foi controlada nem pelas leis, nem pela
religião, porque é uma não prática. Não fazer alguma coisa passa mais embaixo
do radar do que ter uma prática que vai contra a norma, como é o caso dos
homossexuais.
Mas eles têm
problemas relacionados à sexualidade... O único problema que elas têm na vida é a pressão
da sociedade. A pressão se dá no sentido de elas estarem em um relacionamento
amoroso. O relacionamento é público, porque todo mundo vê os casais de mãos
dadas, trocando carinhos. Mas a relação sexual é privada, porque se faz entre
quatro paredes. Se você está em um relacionamento amoroso, as pessoas já vão
logo pensar que vocês estão fazendo sexo. Os homens sofrem uma pressão enorme
de outros homens para estar com várias mulheres. Quando entram em um
relacionamento amoroso, sofrem pressão sabendo que, em algum momento, aquela
mulher vai esperar que ele faça sexo. E as mulheres sofrem pressão para estar
em um relacionamento e para ter filhos. O relacionamento protege o assexual do
julgamento alheio.
Quando começou-se
a falar em assexualidade?
A assexualidade sempre existiu, mas os assexuais se esconderam muito bem. No
século XXI isso mudou por vários motivos. Por causa da internet, das novas
tecnologias, da possibilidade de eles conversarem em fóruns, eles se
encontraram. O que deu um impulso maior foi a fundação da Aven (sigla em inglês
para Associação para Visibilidade e Educação Assexual), em 2001. As pessoas
começaram a chegar de todos os lugares do mundo, e, hoje, a Aven já tem mais de
70 mil pessoas. Eles criaram um conceito e um vocabulário para definir essas
pessoas, porque os vocábulos que tínhamos não davam conta. Se não fossem as
redes sociais, os fóruns de discussão e a internet, a assexualidade não
surgiria como conceito.
Há uma estimativa
de quantos sejam os assexuais no mundo? Fala-se em 1% da população mundial, com base nos
estudos do biólogo norte-americano Alfred Kinsey, nas décadas de 1940 e 1950, e
em outro estudo, do médico britânico Anthony Bogaert, que apontou que 1% dos
entrevistados não tinham interesse por sexo. Mas esse número está longe de ser
o retrato da realidade. O número de pessoas com uma sexualidade diferente da
norma sempre é proporcional à aceitação dessa sexualidade pela sociedade. Pode
ser que haja 7% ou 8% de assexuais que nem conhecem o conceito. Não é possível
saber ao certo.
Como você se
interessou pelo tema da assexualidade? A diversidade sexual tem sido um tema cada vez mais
presente na área da educação. É um problema nas escolas a questão da homofobia.
A intenção da pesquisa é saber qual o papel da escola em acolher as pessoas assexuais
nas aulas de educação sexual. Elas se sentem excluídas porque parte-se do
pressuposto de que todo mundo irá fazer sexo um dia.
O que mais te
surpreendeu em suas pesquisas? Até estudar o tema, eu nunca havia percebido o
quanto o desejo sexual compulsório está em toda parte. É como se as pessoas
colocassem o óculos da sexualidade e vissem o mundo com esse filtro. É isso que
a nossa educação faz. Isso é um fator que oprime os assexuais. Eles são
cobrados porque o mundo que eles veem não é assim.
Por que é
importante um conceito de assexualidade? O sexo é tratado como um sinal de equilíbrio, de
saúde mental e física, de bem-estar. Os assexuais não se veem retratados nem
nos filmes, nem nas novelas, nem nas propagandas. As pessoas que não se sentem
representadas podem se sentir doentes, achar que têm um distúrbio. A descoberta
do conceito de assexualidade traz uma paz para as pessoas assexuais. Traz
alívio o fato de que existam outras como ela, e ela não está sozinha no mundo.
Os assexuais estão
organizados em grupos como a comunidade LGBTQ? Há uma aproximação dos dois
grupos na luta por direitos? No Brasil, nunca existiu uma tentativa de
aproximação dos assexuais com os movimentos LGBT. Nos Estados Unidos, houve
esse movimento, mas ele sempre foi recusado, porque os gays acham que é uma
luta desigual. Muitos dizem “mas vocês não correm risco de apanhar na rua”. Mas
nos EUA já se fala em movimentos GSM (sigla em inglês para Minorias de Gênero e
Sexo). Aí os assexuais teriam entrada.
O que podemos
concluir, sabendo agora dos assexuais? Há diversas formas de viver a sexualidade. A
sexualidade é muito mais fluida do que imaginamos. Não necessariamente a pessoa
será hétero ou homossexual a vida toda.
Fonte: http://www.otempo.com.br/interessa/a-assexualidade-sempre-existiu-mas-eles-se-escondiam-1.941162
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